Por que a linha de corte é o maior erro jurídico da reforma

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Por que a linha de corte é o maior erro jurídico da reforma

Por que a linha de corte é o maior erro jurídico da reforma

Nenhum sistema jurídico sobrevive sem coerência temporal


Toda lei precisa de um ponto de transição que assegure previsibilidade, continuidade e respeito às situações já constituídas.
Quando esse ponto é ignorado, o direito se transforma em incerteza e o Estado, em fonte de insegurança.
Foi exatamente o que ocorreu com a Lei 74/2025 e sua infeliz criação: a linha de corte.

O que significa a linha de corte

A chamada "linha de corte" é a data que delimita o alcance de uma nova lei.
Serve para proteger quem já estava sob o regime jurídico anterior, garantindo que as novas regras não prejudiquem situações já formadas.
É o instrumento que preserva a segurança jurídica e a confiança legítima — pilares silenciosos da democracia.

A Lei 74/2025 ignorou completamente esse princípio.
Ela entrou em vigor alterando o reconhecimento da cidadania italiana sem prever o que aconteceria com os processos em curso, com as sentenças pendentes de transcrição e com as famílias que já haviam ingressado judicial ou administrativamente.

Um erro de concepção, não de execução

O problema não foi apenas técnico, foi estrutural.
O legislador não tratou a cidadania italiana como direito fundamental, mas como ato administrativo sujeito a prazo.
Ao fazer isso, desconsiderou que o status civitatis é protegido pelo artigo 22 da Constituição Italiana, que proíbe a perda da cidadania por motivos políticos.

A ausência de transição representa um erro de concepção porque confunde mudança de política pública com reforma de direito fundamental.
Enquanto a primeira pode ser imediata, a segunda exige salvaguardas, avisos e fases de adaptação.
A Itália ignorou tudo isso.

Os efeitos perversos da ausência de transição

Desde a promulgação da lei, tribunais e consulados vivem um impasse.
Ninguém sabe ao certo se as novas regras atingem quem já havia iniciado o processo.
Alguns juízes suspenderam ações, outros continuaram julgando normalmente.
Os consulados, por sua vez, adotaram critérios distintos, criando um mosaico jurídico de decisões contraditórias.

Essa desordem não é apenas inconveniente, é inconstitucional.
O artigo 97 da Constituição exige que a administração pública atue com legalidade e eficiência.
Nada é menos eficiente do que um sistema em que a mesma família tem resultados opostos apenas porque protocolou o processo em datas diferentes.

A falha previsível e o silêncio do Parlamento

A falta de norma transitória não foi um acidente, foi omissão deliberada.
Ao aprovar a lei, o Parlamento optou por não regulamentar o destino das situações em andamento, delegando a confusão aos tribunais e às prefeituras.
Na prática, empurrou o problema para o Judiciário, gerando uma guerra interpretativa que dura até hoje.

Em vez de reconhecer o erro e legislar de forma complementar, o Parlamento concentrou-se em novos projetos — como o DDL 1450 — que agravam ainda mais a confusão.
É um exemplo clássico de como a política pode transformar o direito em improviso.

O princípio da confiança legítima

O cidadão tem o direito de confiar na lei vigente no momento em que age.
Esse é o núcleo do princípio da confiança legítima, reconhecido pela Corte Costituzionale e pela Corte Europeia de Direitos Humanos.
Quem inicia um processo com base em uma norma não pode ser prejudicado por uma mudança posterior.

Essa é a essência do Estado de Direito: previsibilidade.
Sem ela, o direito se torna aleatório e o poder público passa a agir como se estivesse acima das próprias regras que cria.

A confiança legítima é o elo invisível entre o cidadão e o Estado.
Quando ela é quebrada, o vínculo de pertencimento se desfaz.

O erro político disfarçado de técnica

A linha de corte não é uma falha técnica, é um ato político.
É o instrumento que o governo escolheu para limitar retroativamente o acesso à cidadania e, de forma indireta, restringir o direito das gerações mais distantes.
Essa escolha, travestida de "reorganização administrativa", é na verdade uma forma de esvaziar o sentido constitucional da cidadania italiana.

A consequência é grave: a cidadania deixa de ser direito originário e passa a ser privilégio concedido.
E o que se concede, se pode retirar.
Esse é o perigo real da linha de corte.

Por que esse é o maior erro da reforma

A linha de corte é o ponto de ruptura entre o Estado garantidor e o Estado seletivo.
Ela inverte a lógica do direito, colocando o cidadão em posição de incerteza permanente.
Um Estado que muda as regras no meio do jogo perde a autoridade moral para exigir respeito às leis.

Ao ignorar o dever de transição, a Lei 74/2025 violou a Constituição, gerou insegurança e comprometeu a credibilidade institucional da República.
É o tipo de erro que não se corrige com decretos, apenas com uma decisão constitucional clara — e urgente.

Conclusão

A linha de corte é o símbolo do improviso legislativo que ameaça o Estado de Direito.
Ela não apenas desorganizou o sistema de cidadania, mas colocou em risco a confiança que os italianos, dentro e fora do país, depositam na própria República.

O Parlamento errou ao legislar sem transição.
Agora, cabe à Corte Costituzionale restabelecer o equilíbrio e lembrar que o tempo da lei deve servir ao cidadão, não contra ele.

Leia o próximo artigo da série "Você sabe exatamente o que está sendo discutido?" e entenda tudo que está por trás do julgamento da inconstitucionalidade da Lei 74/2025 na Corte Costituzionale italiana.



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